quinta-feira, 19 de abril de 2012

FALTOU COMBINAR COM OS RUSSOS – Considerações sobre o recrudescimento da criminalidade no Brasil Posted on April 18, 2012 by anesio O arcabouço jurídico que sustenta o Estado Democrático de Direito no Brasil, que tem como expressão máxima a “Constituição Federal de 1988”, contempla uma contradição absurda: protege na teoria e desampara na prática. Ainda sob a influência do chamado ‘Regime Militar’ (Revolução ou qualquer outro nome que se queira dar ao período vivido no país entre 1964 e 1985) e buscando oferecer maior segurança ao exercício das liberdades individuais, os constituintes positivaram amplas garantias aos cidadãos tupiniquins, permitindo, no papel, a fruição de direitos individuais, coletivos, sociais, políticos e trabalhistas. Garantiu, também, entre outros, o acesso à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança e previdência social, além da proteção à maternidade e a infância e a assistência aos desamparados. A malha protetora insculpida na “Carta Cidadã” é robusta, mas não desnecessária. Em tese, esse sofisticado aparato normativo deveria livrar o povo de todos os males, especialmente das arbitrariedades patrocinadas pelo poder público. Entretanto, deixando de lado o ideal da mens legis, na vida real opera-se um disparate: os direitos e garantias que deveriam proteger o cidadão de bem, militam em favor dos malfeitores, especialmente os de colarinho branco que se esbaldam nos cofres públicos. Pensando em consolidar o exercício da cidadania, o legislador premiou os “fora da lei”. Em sua aplicação, o ordenamento jurídico brasileiro é criminógeno, sendo usado mais em benefício dos “bandidos” do que dos “mocinhos” que cumprem correta e resignadamente suas obrigações sociais. São muitos os exemplos dessa cruel discrepância. Um deles é o sacrossanto “princípio da inocência”; aquele que assegura que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e faz da liberdade uma regra que só pode ser quebrada em circunstâncias excepcionais. Embora perfeito em seu aspecto axiológico, na prática esse direito fundamental é uma homenagem ao infrator da lei, especialmente aos mais abastados, aos mais poderosos. Infelizmente, o sistema de persecução penal brasileiro apresenta tantas brechas que quem comete um crime, qualquer que seja, tem que se esforçar muito para permanecer preso. Se for réu primário (e isso significa não ter transitado em julgado uma sentença penal condenatória em seu desfavor), tiver trabalho ou ocupação regular e possuir endereço fixo, dificilmente será ou permanecerá encarcerado por um dia sequer. Somente casos excepcionais fogem (e confirmam) a regra. Por incrível que pareça, mesmo sendo preso em flagrante delito, mesmo existindo provas incontestes da materialidade e autoria, mesmo sendo réu confesso, o sistema oferece a quem comete um crime a presunção de inocência, garantindo-lhe a possibilidade de aguardar o deslinde do processo penal em liberdade e a permanência na condição de “réu primário” até o trânsito em julgado da ação que, por sua vez, é um processo demorado e que pode ser adiado ad eterno se o autor possuir bons advogados. Assim, uma importantíssima garantia para o “cidadão de bem” é usufruída quase que exclusivamente por “cidadãos do mal”, reforçando o entendimento popular que no Brasil a impunidade impera e que a justiça penal atinge somente os pobres, pois somente o “ninguém é preso”, se o acusado for “alguém”, certamente permanecerá em liberdade independentemente do crime cometido. De igual forma ocorre com a liberdade de “ir e vir, estar e permanecer”, essencial para o exercício pleno da cidadania, que é invocada para garantir que crianças, adolescentes, viciados e doentes mentais permaneçam em condição de indigência, sendo vítimas e atores da violência, usando drogas, pedindo esmolas ou praticando pequenos furtos e extorsões. Esse direito a liberdade exercido incondicionalmente permite que seres humanos sem condições mínimas de autodeterminação permaneçam vagando pelas ruas, abandonados à própria sorte, simplesmente por que se negam a buscar ou aceitar voluntariamente a internação para tratamento, como se pudessem entender e transigir sobre o que é importante em suas vidas, camuflando a omissão do Estado em suas responsabilidades nas áreas de saúde e assistência social. Não bastasse insistir numa política de persecução penal frouxa, leniente com o crime e benevolente com o criminoso, temos ainda a aplicação de reprimendas excessivamente brandas se comparadas ao mal produzido e a progressividade nos regimes de cumprimento de penas como um dos princípios da execução penal. Desta forma, os objetivos preventivos da pena corpórea não são efetivamente alcançados. Tanto a prevenção especial (retirada de quem comente um crime do convívio social) como a prevenção geral (servir de exemplo para o restante da sociedade) ficam comprometidas com a aplicação dessa legislação permissiva. Assim, a impunidade campeia, agravando esse processo degenerativo onde os criminosos e a própria sociedade entendem que os riscos que envolvem a prática de crimes são reduzidos e que a relação “custo-benefício” é compensadora, despertando o interesse de um número cada vez maior de pessoas para “investimento nesse negócio”, já que no Brasil o crime compensa. Como expressão máxima dessa tendência temos o “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA – Lei nº 8.096, de 13 de julho de 1990) que, seguindo o indicativo constitucional, estabelece um extenso rol de direitos e garantias que deveriam proteger os menores de idade e, na esteira da legislação penal, comina punições igualmente brandas aos infratores da lei. Na prática, os ideais utópicos das medidas protetivas e socioeducativas do ECA foram deturpadas, e os menores infratores sentiram-se cobertos por um manto de impunidade, transformando-se atores importantíssimos no cenário do crime, cooptados cada vez mais jovens para o “mercado de trabalho”. Mesmo diante de toda benevolência histórica da legislação penal, no início da década de 90 do século passado o sistema carcerário brasileiro encontrava-se a beira de um colapso. A gravidade do quadro, ao invés de forçar investimentos maciços nas áreas de segurança e execução penal, inspirou uma modificação legislativa que aperfeiçoou a política de desencarceramento, materializada na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, a “Lei dos Juizados Especiais”. Essa inovação legislativa que deveria dinamizar a persecução penal e desafogar os presídios, aliviando-os dos problemas de superpopulação carcerária, através da possibilidade de transação penal e da aplicação de penas alternativas à prisão aos acusados nos crimes de menor potencial ofensivo, surtiu efeito contrário. A flexibilização das penas foi recebida como uma “liberação” para prática de pequenos delitos e, ao invés de reduzir, impulsionou a criminalidade violenta, aumentando a magnitude dos problemas de segurança púbica e do sistema prisional. Números do Departamento Penitenciário Nacional atestam que em novembro de 2000, haviam 232.755 presos no Brasil, dos quais 222.643 eram homens e 10.112 mulheres. Em junho de 2011, esses números haviam subido para 513.802, dos quais 478.206 homens e 35.596 mulheres; ou seja, em pouco mais de 10 anos, o número de presos aumentou 221%, sendo 215% nos sexo masculino, e incríveis 352% na população carcerária feminina. O DEPEN não disponibiliza registros históricos, contudo se voltássemos um pouco mais no tempo, teríamos números significativamente menores em relação à população carcerária, a exemplo do que ocorre com o número de homicídios que em 1980 era de 13.910/ano, passando para 31.989/ano em 1990, e crescendo para 45.360 em 2000, e ultrapassando a casa dos 50.000 em 2010 (fonte Mapa da Violência 2012 – Instituto Sangrari), totalizando um aumento de aproximadamente 360% em 30 anos. Nesse processo de fomentação da criminalidade, outro fator de grande influência foi a desastrosa política de desestigmatização do usuário de drogas ilícitas embutida na “Lei Antidrogas” (Lei nº 11.403, de 23 de agosto de 2006). Partindo do pressuposto verdadeiro de que a dependência química é um problema de saúde e assistência social, a lei “despenalizou” o crime de uso de drogas ilícitas, cominando aos usuários penas alternativas à prisão, que também passarão a ser estendidas ao pequeno traficante. Como o “narcotráfico” existe em função do uso, a “carta branca” para o usuário promoveu um crescimento exponencial desse “negócio criminoso” e de toda violência a ele agregada. Quando se acreditava que não havia como piorar o quadro da segurança pública, que finalmente se avistava o “fundo do poço”; eis que surge a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, modificando o Código de Processo Penal Brasileiro, enfraquecendo a já combalida “prisão cautelar” e ampliando a possibilidade de liberdade mediante fiança, tornando ainda mais débeis os mecanismos de persecução penal e potencializando a sensação de impunidade, um dos fatores criminógenos de maior relevo no contexto atual. Por certo, seria possível discorrer sobre outros “remédios legislativos” que se tornaram “verdadeiros venenos” quando colocados em prática e reforçar a ideia de que o arcabouço jurídico brasileiro precisa ser modificado em sua concepção axiológica; ou, ainda, encerrar propalando a premente necessidade de investimentos expressivos para melhoria dos serviços públicos em todas as áreas, especialmente na educação, saúde, assistência social, segurança pública e justiça; também poderia lamentar a frequente e falsa impressão os problemas de segurança pública serão resolvidos simplesmente com o aumento do número de policiais nas ruas das cidades; providências que certamente amenizariam a gravidade de todos os problemas enfrentados. Todavia, prefiro divertir o leitor lembrando uma passagem do folclore futebolístico brasileiro em que o celebre técnico da seleção brasileira campeã da Copa de 1958, Vicente Feola, explicava o esquema tático aos jogadores em sua preleção antes do jogo contra a União Soviética, partida em que estreariam Pele e Garrincha, insistindo numa jogada de linha de fundo com cruzamento para área que fatalmente cominaria em gol. Reza a lenda, que neste momento, o divertido “Anjo de Pernas Tortas” teria perguntado se o técnico havia combinado a jogada com o time russo também, arrancando gargalhadas de todos os presentes. Ao que parece o legislador brasileiro sofre do mesmo mal que acometeu Feola. É um especialista em esquematizar “jogadas perfeitas”, construindo dispositivos legais taticamente impecáveis; contudo, deixa de considerar holisticamente os desdobramentos fáticos de sua aplicação. Em outras palavras: acertam as jogadas com sua equipe, os cidadãos de bem, e “se esquecem de combinar as jogadas com os russos também”. Finalizando, só para constar, o excrete canarinho venceu a partida pelo placar de 2 a 0, com gols de Vavá. Portanto, ainda resta esperança. Anésio Barbosa da Cruz Júnior. Tenente Coronel QOPM. Chefe da Assessoria de Comunicação Social da PMGO.

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