sexta-feira, 13 de abril de 2012

A lei de incentivo ao tráfico de drogas

A Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, também conhecida como “Lei Antidrogas”, deveria ser rebatizada para fazer jus ao seu verdadeiro propósito. O certo seria chamá-la de “Lei de Incentivo ao Tráfico de Drogas”.

Pode até parecer exagero, mas é a cruel realidade. Partindo do pressuposto verdadeiro que a dependência química é um problema de saúde e assistência social, retirou-se do ordenamento jurídico a previsão de penas corpóreas para o crime de uso de drogas ilícitas, cominando ao usuário medidas alternativas à prisão.

A liberação do uso implícita nesta medida provocou um aumento exponencial do mercado consumidor de entorpecentes e, como consequência, o narcotráfico passou a ser um “negócio” ainda mais rentável.

Embora o usuário seja a mola propulsora do tráfico, o custo desse empreendimento ilícito é pago por toda sociedade. O tráfico de entorpecentes movimenta uma sofisticada cadeia de crimes que perpassa diversas modalidades penais. A maioria dos delitos contra o patrimônio (furtos e roubos à pessoa, residências e veículos; assaltos a estabelecimentos comerciais; entre outros) e dos crimes dolosos contra a vida (principalmente homicídios e tentativas) é praticada por usuários e traficantes que precisam se capitalizar para quitar dívidas, se manter ou expandir o mercado.

Nesse “negócio” promissor as transações comerciais são pautadas pela lei da selva, a lei do mais forte, e a violência é a linguagem universal. Tanto a disputa pelo mercado consumidor como a cobraça de dívidas é regada a sangue. Os territórios são conquistados e defendidos com a aniquilação da concorrência e a inadimplência é quitada com a matança dos devedores.

Em Goiás, estima-se que aproximadamente 70% dos assassinatos registrados tenham vínculo umbilical com o uso e tráfico de drogas. O senso comum deposita parcela de responsabilidade pelo resultado trágico na conduta das próprias vítimas, um risco que eles teriam assumido voluntariamente, um mal que procuraram com as próprias mãos, minimizando ou neutralizando a esperada indignação social com a perda de vidas humanas.

O maior erro da “Lei Antidrogas” (e maior presente para o narcotráfico) foi oferecer ao usuário o tratamento que deveria ser destinado exclusivamente ao dependente químico. Essa confusão fez com que o indivíduo que ainda tem capacidade de autodeterminação, que entende o caráter ilícito de sua conduta e que faz uso da substância entorpecente por mero deleite, recebesse um tratamento que deveria ser destinado exclusivamente ao “dependente químico”, depois de devidamente comprovada tal condição. Assim, aquele que poderia se abster do uso, já que o faz apenas por prazer e não por vício, não vislumbra qualquer motivo para isso, pois não têm consciência ou não se importa com o mal que pode causar para si e para a sociedade, contribuindo com o crescimento dessa indústria criminosa.

O direito comparado nos fornece um rol extenso de países que aplicam penas alternativas à prisão na repressão aos usuários de drogas. Contudo, nenhum deles aplica essa medida incondicionalmente como o Brasil. Normalmente, a pena alternativa não é uma imposição geral e imediata, ao contrário, é um “prêmio” concedido àquele que se sujeitar ao atendimento de diversas exigências, especialmente a submissão a tratamento médico e a comprovação de resultados com a realização de exames periódicos e o desenvolvimento de atividades laborais e socioeducativas supervisionadas.

Infelizmente, após a promulgação da “Lei Antidrogas” o usuário, que não se reconhecia como criminoso, passou a ter certeza de que sua conduta era aceita pela legislação e pela sociedade. O “maconheiro” deixou de ser um marginal, um pária, e passou a ser socialmente aceito, principalmente no meio acadêmico. “Marchas da Maconha”, “Legalize Já” e a impopularidade das ações repressivas em espetáculos artísticos e campus universitários são exemplos claros dessa desestigmatização e aceitação social do uso de entorpecentes.

Como consequência natural, essa permissividade contaminou todo o sistema repressivo. Desiludidos com a frouxidão da legislação e com os resultados pífios de seus esforços para o combate ao uso de drogas, os policiais deixaram de reprimir o usuário, se limitando a realizar encaminhamentos pontuais, especialmente nos casos em que são imprescindíveis para materialização da prova na prisão de traficantes. Com isso o número de procedimentos contra usuários caiu vertiginosamente, sendo quase desprezível se comparado à sua incidência.

O passo seguinte foi a banalização dessa conduta criminosa e a criação de áreas livres para o consumo de drogas: as famigeradas “cracolândias”. Essa concentração de usuários em locais onde se tem maior facilidade para acesso aos entorpecentes, incomodou um pouco mais e, mesmo timidamente, a sociedade passou a exigir providências das autoridades. Todavia, a tendência natural é que o problema se acentue cada vez mais, a exemplo do que ocorre com os “menores infratores”, onde a ação repressiva também é limitada e os órgãos de assistência social não contam com estrutura nem mecanismos legais para uma atuação mais efetiva, que permita a retirada dessas pessoas da condição de risco em que se encontram.

Essa condescendência com o usuário de drogas teve reflexos negativos também na área da saúde, agravando o quadro de muitas pessoas que desenvolveram dependência química devido ao acesso fácil e ao uso continuado de entorpecentes, transformando-os em verdadeiros “zumbis”, que permanecem vagando pelas ruas das cidades abandonados à própria sorte.

Então, quando se imaginava que não havia como piorar o quadro atual, o Senado Federal, atendendo recomendação do Supremo Tribunal Federal (STF), edita uma súmula que suspende a proibição de conversão das penas privativas de liberdade aplicadas ao “traficante”, oferecendo mais um importante benefício para o crime organizado e desorganizado no Brasil. A responsabilidade por essa medida não deve ser creditada ao STF, que apenas desnudou mais uma das brechas dessa lei que milita somente em favor do crime. A culpa é do legislador que, por falta de conhecimento ou má fé, criou um dispositivo inconstitucional e que, cedo ou tarde, seria revogado.

A partir dessa inovação legal a condescendência com o “usuário”, guardadas as devidas proporções, será estendida também ao “pequeno traficante”. Antes a aspiração do “pequeno traficante” era desqualificar as provas colhidas pela polícia para ver seu crime desclassificado e enquadrado como “uso”. Agora, serão os “médios” e “grandes” traficantes que tentarão desclassificar suas condutas para gozar das benesses pertinentes aos “pequenos”, dificultando ainda mais a repressão ao narcotráfico, que terá possibilidades de aumentar sua capilaridade e rentabilidade em decorrência da considerável diminuição de riscos proveniente dessa medida.

Não é possível resolver essa equação com as variáveis existentes. O crime maior, o “tráfico”, sobrevive exclusivamente em função do crime menor, o “uso”. Se no entendimento da sociedade o “usuário de drogas ilícitas”, a exemplo do que ocorre com as “drogas lícitas”, não comete uma conduta criminosa passível de punição expressiva, o ideal é deixar a hipocrisia de lado e promover a legalização do uso, investindo em políticas de redução de dano.

Como no enigma da Esfinge de Tebas, o narcotráfico nos desafia: “decifra-me ou te devoro”. Assim, ou se guarnece o sistema de persecução penal com ferramentas eficientes para o combate às condutas criminosas ou se descriminaliza tudo de uma vez por todas, arcando com o custo social que inevitavelmente será cobrado.

Por fim, a sociedade precisa compreender a extensão e a gravidade do problema que enfrenta e se posicionar de forma mais clara, sem dubiedades, em relação ao combate ao “uso” e “tráfico de drogas”.

Neste embate não existe meio termo. Alias, o meio termo nos levou a essa crescente de criminalidade e violência que ganha fôlego a cada “baseado” e “pedra de crack” que se acende.

Tenente Coronel Anésio Barbosa da Cruz Júnior - Chefe da Assessoria de Comunicação Social da PMGO

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